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Pecado em Contexto

A visão de mundo na Idade Média girava em torno da presença do Pecado, que marcava a existência do tempo: antes e depois da Queda, antes e depois da expulsão do Paraíso, antes e depois da vinda de Cristo e antes e depois do Juízo Final. Um tempo que se desenrolava em espaços organizados pelo pecado: o Paraíso terrestre, onde não há pecado; a Terra, invadida e dominada pelo pecado e o Além, estruturado em espaços para onde vão as almas após a morte: Paraíso, Inferno, Purgatório e Limbos. A partir do século XII a intelectualidade cristã começou uma intensa atividade de estudos e classificações dos pecados, cada vez mais hierarquizada, complexa e articulada. A atividade pedagógica sobre os pecados, junto aos fiéis, também se intensificou. Nesse período, o pecado é representado através de alegorias discursivas e imagéticas, como animais (reais ou imaginários), doenças, árvores, personagens históricos e tipos ideais (identificados por suas vestimentas, gestos e atitudes), que são apresentados cometendo seus erros ou supliciados no Inferno. Com Pedro Abelardo e os escolásticos, o pecado passa a ser definido como uma disputa entre a Vontade e a Racionalidade, uma contenda determinada pela escolha moral de cada indivíduo. Desta forma, a origem do pecado seria um ato de vontade e de irracionalidade. A Escolástica também adotou o pensamento de Santo Agostinho, que definia o pecado como palavras, ações ou desejos, que contrariavam a vontade divina (CASAGRANDE & VECCHIO, 2006).

A primeira lista de pecados foi definida pelo monge asceta Evagrius Ponticus (século IV), em sua obra Origens Sagradas das Coisas Profundas, onde apresentava as oito doenças espirituais que afligiam a humanidade (Soberba, Fornicação, Avareza, Descrença, Ira, Covardia, Vanglória e Gula). Por volta do ano 590 o Papa Gregório Magno, retomou e reorganizou esta classificação, nomeando-a de Pecados Capitais, do latim, “caput” (cabeça, principal), responsáveis pela geração de outros pecados menos importantes. Na nova abordagem a Soberba se tornou a raiz e o pior de todos os pecados, absorvendo o conceito de Vanglória; a Descrença e a Covardia se transformaram em Preguiça; a Fornicação se tornou em Luxuria e foram incluídas Inveja e Vaidade. No princípio dos tempos Lúcifer, o Anjo Renegado, foi derrubado dos céus por seu pecado de Soberba, uma afronta direta contra Deus. Desta forma, a Soberba lidera todos os outros pecados, assim como Lúcifer lidera as legiões de demônios.  São Tomás de Aquino, em sua Suma Teológica, em 1273, revisou a classificação de Gregório Magno, redefinindo-a em Sete Pecados Capitais: Soberba/Vaidade, Inveja, Ira, Preguiça, Avareza, Gula e Luxuria. Tomás de Aquino teorizou sobre a relação entre o conceito de pecado, atos condenáveis, culpa e arrependimento. Da mesma forma, empenhou-se em separar os pecados Capitais dos Veniais (mais facilmente perdoáveis). A concepção de luta constante na alma humana entre Vícios e Virtudes, a Psicomáquia, é apresentada pelo escritor cristão Prudêncio, no século IV. Esta concepção, progressivamente reforçada ao longo do medievo, cria a ideia de que todos os pecados se originam nos vícios, que devem ser combatidos pelas virtudes. Para tanto, a Ira seria combatida pela Paciência, assim como a Inveja pela Caridade, a Preguiça pela Diligência, a Gula pela Temperança, a Soberba pela Humildade, a Luxúria pela Castidade e a Avareza pela Generosidade (SANTOS & DOS SANTOS, 2015; SILVA, 2015).

Em 1215, no IV Concílio de Latrão, foi instituída a Confissão Obrigatória e o sacramento da Penitência aos católicos. Exigia-se, a partir de então, um profundo exame de consciência, por parte do penitente, para que a absolvição fosse válida. Os padres confessores se tornaram em “médicos das almas”, com poder sacramental de curar os que se arrependiam de seus pecados. As penitências, ministradas como forma de purificação, eram pensadas e aplicadas proporcionalmente as faltas cometidas.  A confissão auricular era realizada em privado, em um confessionário, diante apenas do padre confessor. Esta intimidade proporcionava que o penitente sentisse segurança e liberdade para confessar suas falhas e segredos mais profundos ao orientador espiritual. A condição de secretismo e confiança, conduzida pelo confessor, instigava ao arrependimento e a contrição, que resultavam na penitência, na expiação da culpa, e na absolvição dos pecados. A remissão de pecados e a liberação de culpas proporcionou aos crentes uma experiência emocional e espiritual muito intensa e reconfortante.  Foi estabelecida uma relação de troca: a revelação das faltas pelo conforto do perdão e salvação. Esta lógica garantia que as confissões, embora obrigatórias, não fossem forçadas, mas espontâneas, a partir de uma autovigilância do fiel, em busca de alívio para sua alma. A espontaneidade na revelação dos pecados estava diretamente vinculada a culpa e ao medo, principais pilares da confissão.  A Igreja estava disposta a acolher, ouvir e perdoar, mas devia partir dos indivíduos procura-la. A confissão auricular garantiu à Igreja um sistema de regulação dos comportamentos e um mecanismo de controle social. Obediência a Deus, pecado, culpa, confissão, penitência e consentimento de perdão, faziam parte de um forte sentimento de medo que a Igreja incutido na coletividade, garantindo assim seu controle sobre ela (DELUMEAU, 1991; 2005; MACEDO, 2009).

Exposição de Imagens e Textos:
Os Sete Pecados Capitais

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